Os
italianos eram célebres na Europa do século XVIII, não só pela competência no ensino, como por terem
a experiência da criação de jardins
botânicos desde o séc. XV. Daí que Pombal tivesse chamado mestres italianos para leccionarem na
Universidade de Coimbra. Três desses
mestres, Domingos Vandelli,
Franzini e Dolabella, foram além disso incumbidos
de colaborar no traçado do jardim botânico de Coimbra, projectos que não viriam a ser executados na íntegra, por
excessivamente dispendiosos,
como se lê nesta carta de Pombal, dirigida ao bispo reitor da Universidade de Coimbra:
Ex.m°
e rev.mº sr.
Reservei
até agora a resposta sobre a planta que esses professores delinearam para o
Jardim Botânico, porque julguei preciso precaver a v. ex.ª mais particularmente
sobre esta matéria.
Os
ditos professores são italianos, e a gente desta Nação, acostumada a ver deitar
para o ar centenas de mil cruzados de Portugal em Roma, e cheia deste entusiasmo,
julga que tudo o que não é excessivamente custoso, não é digno do nome
português ou do seu nome deles.
Daqui
veio que, ideando eles nesta corte, junto ao Palácio Real de Nossa Senhora da
Ajuda, em pequeno espaço de terra, um jardim de plantas para a curiosidade,
quando eu menos o esperava achei mais de 100:000 cruzados de despesa, tão
exorbitante como inútil.
Com
esta mesma ideia talharam pelas medidas da sua vasta fantasia o dilatado espaço
que se acha descrito na referida planta; o qual vi que, sendo edificado à
imitação do pequeno recinto do outro Jardim Botânico, de que acima falo,
absorveria os meios pecuniários da Universidade antes de concluir-se. Eu porém
entendi agora, e entenderei sempre, que as cousas não são boas por serem muito
custosas e magníficas, mas sim e tão somente porque são próprias e adequadas
para o uso que delas se deve fazer.
Isto, que a razão me ditou, sempre vi praticado, especialmente nos Jardins Botânicos das Universidades de Inglaterra, de Holanda e de Alemanha, e me consta que o mesmo sucede no de Pádua; porque nenhum deles foi feito com dinheiro português. Todos estes Jardins são reduzidos a um pequeno recinto, cercado de muro, com as comodidades indispensáveis para um certo número de ervas medicinais e próprias para o uso da faculdade de Medicina, sem que se excedesse delas a compreender as outras ervas, arbustos, e ainda árvores das diversas partes do mundo, em que se tem derramado a curiosidade, já viciosa e transcendente, dos sequazes de Lineu, que hoje têm arruinado as suas casas para mostrarem o malmequer da Pérsia, uma açucena da Turquia, e uma geração e propagação de aloés com diferentes apelidos que os fazem pomposos.
Debaixo
destas regulares medidas deve pois v.ex.ª fazer delinear outro plano, reduzido somente
ao número de ervas medicinais que são indispensáveis para os exercícios
botânicos e necessárias para se darem aos estudantes as noções precisas para
que nao ignorem esta parte da medicina, como se está praticando nas outras
Universidades acima referidas, com bem pouca despesa; deixando-se para outro
tempo o que pertence ao luxo botânico, que actualmente grassa em toda a Europa.
E para tirar toda a dúvida, pode v. ex.ª determinar logo, por uma parte, que
Sua Majestade não quer Jardim maior, nem mais sumptuoso que o de Chelsea, na
cidade de Londres, que é a mais opulenta cidade da Europa; pela outra parte,
que debaixo desta ideia se demarque o lugar, se faça a planta dele com toda a
especificação das suas partes, e se calcule por um justo orçamento o que há-de
custar o tal Jardim de estudo de rapazes, e não de ostentação de Príncipes, ou
de particulares, daqueles extravagantes e opulentos, que estão arruinando
grandes casas na cultura de Bredos, Beldroegas e Poejos da índia, da China e da
Arábia.
Deus
guarde a v. ex.ª etc.
Oeiras,
em 5 de Outubro de 1773.
Marquês de Pombal.
Il.mº
e ex.mº sr. bispo eleito de Coimbra
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