"Meu amor,
É com a mais profunda mágoa que te escrevo esta nota de despedida, por sentir que já nada tenho para te dar. O nosso amor assentou num pacto de franqueza e lealdade, que nem eu nem tu infringimos ao longo destes anos.
Sei que estiveste a meu lado tanto nos momentos de júbilo como nos de maior amargura. Juntos procurámos caminhos que nos conduzissem à espiritualidade profunda e à serenidade sem limites.
Chegado a este ponto, sei que nunca te traí e que tu nunca me traíste. Deixei de acreditar na política e nos políticos, na cultura e nos seus gurus, no futuro e nos seus amanhãs radiosos, mas nunca desisti de acreditar em ti.
É a consciência que tenho do azedume que agora me enche a alma e a convicção de que não tenho o direito de manchar com ele a alegria dos teus dias, que me leva a pôr fim a esta vida que tu deixaste tão preenchida e tão cheia de ternura.
Parto com a certeza de nunca termos traído o nosso pacto primordial, eternamente fiéis e dedicados. Por isso, também, parto com a convicção de que até ao fim dos tempos serás minha e eu serei teu.
Com infinito amor,
João"
Foi o amante de Irene, a mulher de João, o primeiro a ler esta nota de despedida de um suicida apaixonado.
(José Jorge Letria in Histórias do fundo da noite)
Sem comentários:
Enviar um comentário