Há um mês e meio éramos todos Charlie. Segurávamos folhas de papel, erguíamos as mãos e marchávamos pela rua em nome da liberdade. Acordávamos todos os dias dispostos a defender o direito de todos à palavra e à opinião, mesmo que não concordássemos com uma letra daquilo que diziam. Esses eram os dias. Esses foram os dias. Hoje anda meio país indignado por causa de um anúncio de uma marca de cerveja sobre um golo manhoso num jogo de futebol que acabou empatado.
Há um mês e meio, 12 pessoas morreram no ataque terrorista ao "Charlie Hebdo", o semanário satírico que publicou caricaturas de Maomé. No dia seguinte, outras quatro pessoas morreram num supermercado de Paris. Hoje discute-se um anúncio, que nem sequer é um anúncio genial, daqueles que surpreendem ou fazem pensar. Apenas fala de frangos, dos que têm penas e dos que fazem ter pena do guarda-redes.
Não morreu ninguém. É apenas bola. Mas pelos vistos o anúncio era "ofensivo". A Sagres cedeu e retirou rapidamente o vídeo de circulação para que os indignados ânimos acalmassem. Sim, há um mês e meio éramos todos Charlie. Hoje somos só cerveja e frango.
(Ricardo Marques in Expresso de ontem)
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